Como a Black Friday custou milhões aos jogadores e mudou o poker online para sempre
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Ontem, assinalaram-se exatamente 14 anos desde o dia mais negro da história do poker. A 15 de abril de 2011, o governo dos Estados Unidos confiscou centenas de milhões de dólares em fundos de jogadores e encerrou os maiores sites de poker online do mundo.
O incidente, conhecido como Black Friday, mudou drasticamente a indústria do poker para sempre, deixando dezenas de milhares de jogadores sem trabalho da noite para o dia, obrigados a procurar outras formas de sustento. Muitos abandonaram o poker por completo e nunca mais voltaram.
A Black Friday também expôs a má gestão de fundos por parte da Full Tilt Poker e dos seus executivos Howard Lederer e Chris Ferguson, que na altura estavam entre as figuras mais reconhecidas e respeitadas do poker. Foram precisos vários anos até que os jogadores conseguissem recuperar por completo o dinheiro que tinham depositado nas suas contas.
Mais de uma década depois, os impactos da Black Friday ainda se fazem sentir no mundo do poker. O jogo vivia o seu pico de popularidade, com patches da PokerStars e da Full Tilt Poker visíveis em praticamente todos os jogadores. Hoje, o cenário é bem diferente — o poker deixou de estar no centro das atenções, há muito menos patrocínios e as transmissões televisivas são mais limitadas.
Neste novo vídeo da PokerNews, analisamos a Black Friday, o dia mais negro da história do poker, que alterou para sempre o panorama do poker online e revelou uma gestão irresponsável por parte de algumas das maiores figuras do jogo.
O que antecedeu a Black Friday
O poker atingiu o auge da sua popularidade durante o chamado "Poker Boom", no início e meados dos anos 2000. Após a vitória icónica de Chris Moneymaker no Main Event das WSOP 2003, os patrocínios no mundo do poker dispararam e os anúncios das grandes marcas de poker online como a PokerStars e a Full Tilt Poker estavam por todo o lado — era impossível ignorá-los. O equipa de pros da Full Tilt nesta altura contava com algumas das maiores estrelas do poker mundial, incluindo Phil Ivey, Tom Dwan, Mike Matusow, John Juanda, Gus Hansen, Jen Harman, Erik Seidel e Patrik Antonius.
Enquanto o poker prosperava, uma nova legislação estava prestes a pôr em causa a legalidade do poker online nos Estados Unidos.
Em 2006, o governo federal norte-americano aprovou o Unlawful Internet Gambling Enforcement Act (UIGEA), que proibia as empresas de jogo de “aceitar conscientemente pagamentos relacionados com a participação de outra pessoa numa aposta ou jogo via internet e que seja ilegal segundo a legislação federal ou estadual”.
A UIGEA entrou em vigor por completo em 2010 e não fez qualquer exceção para jogos de habilidade como o poker, apesar dos esforços de lobby da Poker Players Alliance (PPA).
Era claro que havia problemas no horizonte para o poker online nos Estados Unidos, mas os sites continuaram a operar e os jogadores continuaram a depositar.
“Este domínio foi apreendido”
A 15 de abril de 2011, os jogadores de poker acordaram e deram de caras com o símbolo do Departamento de Justiça dos EUA ao tentarem aceder às suas contas de poker online.
“Este nome de domínio foi apreendido pelo FBI ao abrigo de um mandado de detenção emitido pelo gabinete do Procurador dos Estados Unidos”, podia ler-se parcialmente no aviso. O texto continuava com: “Dirigir, financiar, gerir, supervisionar, coordenar ou deter total ou parcialmente uma operação de jogo ilegal constitui um crime federal”, e ainda, “Para pessoas envolvidas em atividades de apostas, é também um crime federal aceitar conscientemente fundos relacionados com a participação de outra pessoa em jogos de apostas ilegais na internet.”
Uma acusação federal foi apresentada contra a PokerStars, Full Tilt Poker e Absolute Poker, nomeando 11 arguidos. Entre eles estavam o executivo da PokerStars Isai Scheinberg, Raymond Bitar e Nelson Burtnick da Full Tilt Poker, bem como Scott Tom e Brent Beckley da Absolute Poker, além de vários processadores de pagamentos.
Os impactos da Black Friday foram imediatos. Da noite para o dia, milhares de jogadores de poker norte-americanos ficaram subitamente sem trabalho. Incontáveis jogadores perderam os seus patrocínios, incluindo Prahlad Friedman, Maria Ho e o guitarrista de heavy metal Scott Ian, da banda Anthrax.
A 20 de abril, tanto a Full Tilt Poker como a PokerStars chegaram a um acordo com o Departamento de Justiça que lhes permitiu recuperar o acesso aos seus domínios .com para ajudar na devolução dos fundos dos jogadores.
Mas o dinheiro na Full Tilt Poker tinha desaparecido. E estava prestes a ser revelado até que ponto a situação era grave dentro da empresa.
A queda da Full Tilt
Em setembro de 2011, seis meses após a Black Friday, foi revelado que a Full Tilt Poker tinha pago dezenas de milhões de dólares aos seus executivos utilizando fundos dos jogadores, e que já não tinha dinheiro suficiente para reembolsar os seus utilizadores.
O gabinete do Procurador dos EUA alterou a acusação para alegar que a Full Tilt Poker era um esquema Ponzi operado por Raymond Bitar, Howard Lederer, Chris Ferguson e Rafe Furst com o objetivo de defraudar os jogadores.
Segundo a acusação, em março de 2011, a Full Tilt Poker devia aproximadamente $390 milhões em fundos de jogadores espalhados pelo mundo, incluindo cerca de $150 milhões a jogadores dos Estados Unidos. No entanto, a empresa tinha apenas $60 milhões depositados nas suas contas bancárias — ou seja, mais de $300 milhões estavam em falta.
A acusação afirmava ainda que, entre abril de 2007 e abril de 2011, Bitar, Lederer, Ferguson e Furst terão desviado para benefício próprio cerca de $443 milhões pertencentes aos jogadores.
Após um ano e meio de silêncio, Howard Lederer falou com a PokerNews numa longa entrevista publicada em 2012, na série de sete partes The Lederer Files.
Nesse mesmo ano, a PokerStars comprou a Full Tilt Poker, assumindo todos os ativos da empresa e comprometendo-se a entregar $547 milhões ao governo dos EUA ao longo de três anos.
Mas seriam precisos vários anos até que os jogadores da Full Tilt recebessem os seus fundos de volta. Sem saber se algum dia voltariam a ver o dinheiro, muitos abandonaram o poker e nunca mais regressaram.
Entre penas leves e reputações arruinadas
Embora alguns executivos do poker online tenham cumprido penas de prisão, a maioria saiu apenas com sanções financeiras e, para muitos, com um simples “puxão de orelhas”.
Howard Lederer e Chris Ferguson, da Full Tilt Poker, continuam a ser vistos como figuras indesejadas na comunidade do poker até hoje. Ainda assim, Ferguson apareceu nas World Series of Poker em 2017 e acabou por vencer o título de Jogador do Ano, para desgosto de grande parte da comunidade.
Em março de 2020, o fundador da PokerStars, Isai Scheinberg, declarou-se culpado por operar um negócio de jogo ilegal na internet. Scheinberg evitou a prisão e foi condenado a pagar apenas uma multa de $30.000 — encerrando, quase uma década depois, o longo capítulo da Black Friday.
Panorama atual do poker online nos EUA
Então, qual é o estado atual do poker online nos EUA? A Black Friday acabou por permitir o aparecimento de plataformas de poker online reguladas a nível estadual, após várias decisões judiciais que determinaram que a Interstate Wire Act de 1961 não se aplicava ao poker online. Nevada e Delaware foram os primeiros estados a legalizar o poker online em 2013, e outros seguiram o exemplo ao longo da década, incluindo New Jersey, Pensilvânia, West Virginia e Michigan.
Vários outros estados têm apresentado projetos de lei para regulamentar o poker online nos últimos anos, incluindo New York, Maryland, Virginia e Massachusetts. Entretanto, os estados com poker online regulamentado têm vindo a juntar as suas pools de jogadores com base no Multi-State Internet Gaming Agreement (MSIGA), criando a liquidez tão necessária para os jogadores norte-americanos.
O poker online nos EUA nunca mais será o mesmo, e a Black Friday continua a ser um lembrete claro das consequências devastadoras de ignorar as regulamentações governamentais, desprezar sinais de alerta e gerir de forma imprópria os fundos dos jogadores.
